quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Especialistas sublinham importância da prevenção na luta contra o cancro do colo do útero

«Maria Conceição Grilo só voltou às consultas do centro de saúde de Portalegre quando, aos 35 anos, decidiu ter um filho e não conseguiu engravidar. Estava-se em Fevereiro de 2005 quando o médico lhe passou uma série de exames, entre os quais o Papanicolaou que traria a notícia de um cancro no colo do útero, em fase inicial. Na altura perdeu a esperança de ser mãe. Hoje tem um menino com 11 meses e quer partilhar a sua experiência com este tipo de cancro. A indústria farmacêutica acompanha a doença: na próxima semana é posta a venda em Portugal a segunda vacina contra a infecção das principais estirpes do papilomavírus humano, o agente responsável pela doença que na Europa mata 40 mulheres por dia.

Para tornar mais eficaz o seu contributo, Maria Grilo criou o blogue “Passa a Palavra”, o primeiro a nível nacional sobre o cancro do colo do útero. “É um espaço de partilha de experiências por quem já passou por estas situações ou para quem tenha curiosidade em obter informações”, diz a moderadora.

“A ideia que se quer passar é que hoje a realidade é diferente e que daqui a uns anos poderá ser possível as mulheres não terem de passar pela terrível notícia de um cancro do colo do útero, serem depois submetidas a intervenções devastadoras a muitos níveis, em alguns casos mutilantes, e que podem interromper percursos de vida, sonhos e projectos”, acrescenta.

O cancro do colo do útero é a segunda causa de morte por cancro na Europa em mulheres entre os 15 e os 44 anos. Ocorre quando a mulher apanha o Papilomavírus Humano (HPV) e desenvolve uma infecção que, não sendo detectada a tempo por um exame ginecológico, pode ser fatal.

Estima-se que 75 por cento da população esteja exposta ao HPV pelo menos uma vez na vida. É uma das doenças sexualmente transmissíveis (DST) mais frequentes mas basta o simples contacto com a pele na zona afectada para se contrair o vírus, com uma probabilidade de contágio perto dos 100 por cento, muito maior do que o risco de transmissão do HIV ou de outras DST como o herpes genital.

A infecção não tem sintomas e não é detectada com uma análise ao sangue. O sistema imunológico pode demorar cinco anos a produzir os primeiros anticorpos mas mesmo sendo possível detectá-los então numa análise laboratorial, o método não é eficaz porque não distingue as defesas criadas para uma infecção genital das criadas para uma verruga na mão com origem no HPV.

Doença rara numa infecção frequente

No caso das lesões que podem evoluir para carcinomas no colo do útero, perto de 90 por cento desaparecem espontaneamente num período de dois anos ou podem ser tratadas sem marcas traumáticas para a doente. Apenas um em cada 10 casos entra na fase pré-cancerosa e pode tornar-se irreversível entre 10 a 12 anos depois da infecção. Dependendo do estadio de evolução da doença, o tecido anormal tem de ser removido com uma cirurgia invasiva, que pode levar à infertilidade e com sessões de radioterapia ou quimioterapia.

Em Portugal, os dados sobre a incidência do cancro do colo do útero ainda não contemplam todo o território nacional e discute-se o problema do rastreio de uma doença que é, nas palavras Daniel Pereira da Silva, director do serviço de ginecologia do IPO de Coimbra, uma questão de saúde pública.

O especialista alerta para as dificuldades do Sistema Nacional de Saúde (SNS), que não acompanha as fichas clínicas de todas as mulheres e promove rastreios oportunísticos em vez de rastreios organizados, ou seja, só fazem exames as mulheres que por iniciativa própria se dirigem a uma consulta.

“Para ter impacto tínhamos de rastrear pelo menos 60 por cento da população. As mulheres esquecem-se e o centro de saúde não as convoca”, diz Daniel Pereira da Silva. Mas a estratégia, acrescenta, passa por impedir a transmissão do vírus HPV.

Novas estratégias de prevenção

Em Portugal a primeira vacina de prevenção do cancro do colo do útero foi posta à venda no início do ano. O tratamento é feito em três fases e custa pouco mais de 480 euros. A vacina foi desenvolvida para os quatro tipos de papilomavírus dominantes em termos mundiais (6, 11, 16 e 18), embora não se saibam quais as estirpes mais relevantes em Portugal nem o significado da relação entre umas e outras na evolução da doença.

A segunda vacina começa a ser comercializada na próxima segunda-feira, com um custo de 435 euros e direccionada às estirpes 16 e 18.

De acordo com os especialistas, o momento óptimo para a vacinação é o início da adolescência, entre os 11 e os 13 antes e antes do início da actividade sexual. O tratamento pode no entanto ser feito mais tarde e com eficácia, porque mesmo que a mulher esteja infectada com uma estirpe, a vacina vai protegê-la de outras.

Preservativo não protege do vírus do cancro do colo do útero

O período de maior incidência da infecção com o papilomavírus situa-se dois anos depois do início da vida sexual. No caso da transmissão do HPV o preservativo oferece uma protecção na ordem dos 40 por cento. Embora aconselhado, explica Ângela Pista, especialista do Instituto Nacional de Saúde, não é garantia de que não se fique infectado.

Estão identificadas 45 estirpes responsáveis por cancros na zona anogenital. Questionada sobre o porquê de restringir a vacina a um tratamento quadrivalente ou bivalente, a especialista explica que capacidade de resposta do organismo imunitário é melhor se não houver uma grande mistura de espécies que tornariam o tratamento menos eficaz.

Além da vacinação, discute-se a implementação do teste do HPV que permite detectar de forma mais eficaz a presença do vírus no organismo do que um exame Papanicolaou, explica Daniel Pereira da Silva. No entanto, a solução ideial seria articular todos estes processos no SNS.

“O rastreio deve manter-se nas mulheres vacinadas mas nestes casos o teste do HPV pode vir a tornar-se útil”, diz o especialista. “A vacinação devia penetrar no Plano Nacional, que abrange perto de 90 por cento da população. Tudo depende agora da estratégia que o Governo venha a adoptar mas também há uma visão pessoal que cabe sobretudo à mulher”.

“Em Portugal o tratamento estadio a estadio é tão bom como noutros países desenvolvidos, a nossa taxa de mortalidade associada é maior porque não há um diagnóstico precoce”, acrescenta Daniel Pereira da Silva. O especialista dá como exemplo o caso da Finlândia em que houve uma redução de 80 por cento dos casos só com o reforço dos exames citológicos (Papanicolaou).

O problema a este nível, explica o especialista, são os falsos negativos, resultados errados que muitas vezes chegam dos laboratórios e devem ser confirmados com a repetição regular do teste, o que em Portugal ainda não acontece.

Apesar de já existirem números referentes ao custo de uma doente com cancro do colo do útero ao SNS, os dados ainda não foram revelados. Segundo a Lusa, a Direcção-Geral da Saúde e a comissão técnica estão a avaliar a estratégia de vacinação mais adequada, que poderá passar pela integração gratuita da vacina no Programa Nacional de Vacinação, pela comparticipação ou ser dirigida a grupos específicos.

Maria Conceição Grilo partilha o testemunho. “Tenho um rapaz, não uma rapariga. Mas não teria a mínima dúvida hoje em vaciná-la quando chegasse a altura de o fazer. Se há uma coisa que consigo quantificar, ainda que de forma abstracta, é o sofrimento pelo qual passei e, perante uma opção de ter a vacina e ver que esse sofrimento não me atingiria a mim ou outras mulheres, não tinha dúvidas.

“Tive uma grande sorte na vida. Foi aquela tomada de decisão de reiniciar os tratamentos (de fertilidade), ter pedido uma bateria de exames onde estava incluída uma citologia e onde me diagnosticaram o cancro”, conclui.»

Fonte:Público
Link:http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1307092&idCanal=13

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