quinta-feira, 23 de julho de 2009

À espera da cegonha


«Andreia Pereira

Em 2008, Cláudia Vieira conseguiu concretizar, finalmente, o sonho de ser mãe. E em dose dupla, já que a presidente da APF teve duas meninas gémeas. Mas, até saborear a maternidade, percorreu um caminho de cinco (longos) anos. Ao fim de seis meses, em que estava a tentar engravidar, "como nada acontecia", decidiu procurar a ginecologista e expor a situação.

Cláudia Vieira e o marido foram submetidos a alguns exames e, umas semanas depois, já sabiam os resultados: em ambos existiam problemas que impediam uma gravidez espontânea. A partir desta altura, recorreu a ajuda especializada e inscreveu-se num hospital público. Teve de aguardar quatro meses para a primeira consulta, até que passados 12 meses foi encaminhada para a realização da primeira microinjecção intracitoplasmática (ICSI): uma técnica usada em casos em que existe um factor masculino de infertilidade.

A presidente da APF conta que conseguiu engravidar duas vezes, uma delas ao final da terceira ICSI e uma outra através de uma transferência de embriões cripreservados. Mas ambas as gestações foram frustradas. "Esta foi outra das situações traumáticas associada ao facto de não poder engravidar", conta. Ainda houve uma quarta ICSI no sector público. Mas, entretanto, como os recursos nestas unidades estatais foram "esgotados", teve de recorrer a uma clínica privada.

Ao fim da quinta ICSI, já no sector privado, conseguiu engravidar. "Obter o resultado positivo era apenas uma etapa vencida, mas nem tudo estava ultrapassado", conta. Foi internada com 25 semanas de gravidez e nem assim se conseguiu evitar que as bebés nascessem às 33 semanas, com apenas 1600gr e 1380gr. Uma das gémeas estava em sofrimento e foi necessário fazer uma cesariana de urgência. "Apesar de terem nascido pequeninas, felizmente não tiveram complicações pulmonares ou infecciosas", afirma.

Cláudia Vieira lamenta o facto de ter tido uma gravidez tão conturbada. Hoje, decorridos 10 meses do nascimento das gémeas, só consegue pensar que é "uma mulher realizada" e que tudo o que passou "valeu a pena". Apesar de não ter usufruído de uma gestação em pleno, a responsável da APF sente-se satisfeita por poder "desfrutar integralmente da maternidade".

Infertilidade tende a aumentar

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um casal é considerado infértil quando não alcança a gravidez desejada ao fim de um ano de vida sexual contínua sem métodos contraceptivos. "Esta é a explicação de base, embora, em muitas situações clínicas, não seja necessário aguardar este período, porque o diagnóstico aponta um factor impeditivo de gravidez", explica o Prof. João Silva Carvalho, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR).

As causas que impedem uma gravidez podem radicar em qualquer um dos membros do casal. "Na mulher, as disfunções endócrinas, do sistema hormonal, os problemas nas trompas e no útero e as infecções transmitidas sexualmente estão entre as principais causas de infertilidade", adianta o especialista. E acrescenta que, no homem, "os factores genéticos ou tóxicos" contribuem para a perda de quantidade e qualidade dos espermatozóides.

Por motivos de ordem profissional e económica, muitas mulheres adiam a decisão de ter filhos para mais tarde, normalmente depois dos 30 anos. Com esta situação, diz João Silva Carvalho, as hipóteses de engravidar vão sendo mais escassas à medida que a idade avança. "A menopausa é a barreira absoluta a partir da qual há um declínio da fertilidade feminina, porque os ovários deixam de funcionar, embora, a partir dos 45 anos, já haja mais dificuldades em engravidar". O mesmo não acontece com o homem, porque "o aumento da idade não prejudica a fertilidade masculina".

Acontece que devido ao estilo de vida actual e à degradação das condições ambientais, "a qualidade dos óvulos e espermatozóides tem sofrido um decréscimo progressivo". E tal situação estará na base do aumento de casos de infertilidade nos próximos anos, segundo a perspectiva do presidente da SPMR.

Tratamentos para corrigir a infertilidade

Antes de se avançar para as técnicas de procriação medicamente assistida (PMA), o primeiro recurso, segundo João Silva Carvalho, são os tratamentos farmacológicos. "Há medicamentos que corrigem as disfunções endócrinas as infecções." Estas disfunções, que em muitos casos se relacionam com a actividade ovárica ou da tiróide, "prejudicam a qualidade da ovulação". Mas, tratando-se de um bloqueio nas trompas ou alguma anomalia do útero, pode, ainda, recorrer-se à cirurgia minimamente invasiva.


Quando estes procedimentos não funcionam, o casal pode recorrer aos hospitais públicos ou ao sector privado para iniciarem os tratamentos de PMA. Estão, actualmente, regulamentadas três técnicas de PMA: inseminação intra-uterina, fecundação in vitro e micro-injecção citoplasmática.

A inseminação intra-uterina é um processo que decorrer in vivo, ou seja, dentro do corpo da mulher. Para se obter bons resultados, faz-se a "estimulação ovárica" e, na altura da ovulação, o concentrado de espermatozóides, recolhido previamente, é colocado no útero da mulher. "Com esta técnica o objectivo é aproximar os dois gâmetas (óvulos e espermatozóides), favorecendo a fecundação", explica o especialista.

Quando existe uma obstrução das trompas de Falópio, a fertilização é desenvolvida in vitro. "Estimulamos os ovários da mulher, recolhemos os espermatozóides do marido e, em laboratório, juntamos os gâmetas feminino e masculino. Após a fecundação, é retirado o embrião e transferido para o útero materno."

Perante um factor de infertilidade masculina, em que os espermatozóides não conseguem fecundar o óvulo, a técnica de micro-injecção citoplasmática (ICSI) é, à semelhança da fertilização in vitro, desenvolvida em laboratório. "Com o auxílio de um microscópio, introduz-se o espermatozóide no interior do óvulo para ocorrer a fecundação."

Estado apoia casais inférteis

Foi recentemente anunciado por parte do Ministério da Saúde o aumento da comparticipação de 37 para 69% dos medicamentos para a infertilidade, particularmente aqueles que são usados na PMA. Esta medida, já publicada em Diário da República, entra em vigor a partir do dia 1 de Junho e permitirá aliviar os encargos dos casais que tentam ter um filho.

Até agora, as técnicas de PMA são totalmente gratuitas para os casais, dentro das unidades estatais com Serviço de Medicina da Reprodução. Para acederem aos hospitais públicos, o casal tem de ser encaminhado pelo seu médico de família. Com esta referenciação do médico do centro de saúde, o casal entra numa lista de espera.

Em Portugal Continental, existem nove unidades com Serviço de Medicina da Reprodução: Centro Hospitalar de Gaia, Hospital de S. João, Hospital de Santo António e Maternidade Júlio Dinis, as três a funcionarem no Porto, Hospital Nossa Senhora de Oliveira, em Guimarães, Hospital de S. Teotónio, em Viseu, Hospitais da Universidade de Coimbra, Hospital de Santa Maria e Maternidade Alfredo da Costa, ambos em Lisboa.

A sul de Lisboa e nas Ilhas não existe nenhuma unidade pública com Serviço de Medicina da Reprodução em funcionamento. Mas está previsto que esta situação seja revista e que, em breve, alguns hospitais disponibilizem consultas de diagnóstico para os utentes inférteis.»

Fonte: Medicos de Portugal
Link:http://medicosdeportugal.saude.sapo.pt/action/2/cnt_id/2734/?textpage=2

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